Das Coisas Primeiras e Últimas

Posted: Janeiro 15, 2012 in Uncategorized
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Tempo, linguagem, número são imposições com vida própria que tencionam nos  dominar.Fechei os olhos para o cansaço.  Meus dedos doíam fatigados em sua procura vã por um abrigo longe das minhas obsessões. Eu continuava batucando a mesma tecla… Enchi 3772 páginas com o número 0. Empilhados um ao lado do outro eles pareciam sensualmente harmoniosos, capazes de alçar um mundo para além dos limites da visão. Sem filtrar a experiência da sensação dúbia de dor e prazer, calculei a passagem do tempo medindo a extensão da mancha roxa visível na ponta do meu indicador direito. Talvez três ou quatro horas se passaram enquanto eu teclava e cavoucava o azul da escrivaninha tentando encontrar alguma coisa para preencher os espaços em branco, para amenizar os calafrios e as angústias vindas de um cosmos governado pelas metamorfoses.

Tudo porque do canto direito da tela elevava-se o cheiro ocre do “ano novo”, a temerária substância das mudanças impostas. O último dígito da sequencia de números, justamente o menos volúvel dos últimos 300 e tantos dias, não era mais o mesmo.  A constatação evocou de alguma forma a minha vontade burra de aprisionar o espírito. Pensei em aproveitar a nova contagem do ciclo de rotação da Terra ao redor do Sol e abandonar minha atual situação de liberdade e sua consequente falta de conforto para tentar embarcar nos tormentos de ter uma obrigação boçal que me dê algum rendimento estável no final do mês.

Levada pelo instinto do mundo real, levantei da cadeira giratória, caminhei com pressa até o aconchego do ar-condicionado da papelaria e, imersa numa sensação de desespero mascarado pelo consumismo, comprei uma agenda. Era um começo, uma tentativa de iniciar alguma coisa, de organizar o caos. Escolhi um modelo simples, o menor que encontrei entre os quase 100 tipos coloridos, extravagantes ou não, reluzindo suas capas e chamando a atenção dos compradores. Segurei firme o pequeno objeto bordô e analisei a folhinha amarela que demonstrava como eu havia ficado nove reais mais pobre, embora nenhum dinheiro vivo tivesse sido usado na transação. Absorvi a necessidade do supérfluo. Fui levada pela mistura de emoções presentes nas grandes ou nas pequenas relações da cultura e da sociedade ocidental, aquelas que se erguem de algum lugar estranho mesmo quando estamos sozinhos.

Aos poucos uma massa cinzenta elevou-se da sensação momentânea de euforia consumista. Lembrei de Nietzsche e dos seus “espíritos livres”, da superfluidade do tempo, do ócio em seu sentido mais doce e mais temerário. Abri a caderneta numerada recém adquirida e senti meu senso de contradição impresso nas divisões palpáveis das páginas. Dentro de mim alguma coisa opunha-se aquela tentativa de “ordem” e “progresso”. Fiz um X em forma de espectros e sombras sobre cada um dos dias mentalmente preenchidos com compromissos incolores, desprovidos de prazer. Relembrei sofrimentos e dores só para salvar da morte a fruição tardia da aniquilação de toda e qualquer obrigação. Decidi parar e pensar a existência no interior das dicotomias. Resolvi sair fora delas. Com uma caneta coloriza, fiz uma extensa “listinha de tarefas inúteis” só para ter o prazer de riscá-las.

Voltei para a minha cadeira giratória, para o quarto, para os livros com seus espaços inertes e espontâneos. Percebi que o problema não é ser libertado, mas liberar-se do ciclo vicioso de ter um dia, um mês e um ano para seguir de forma monocromática. Liberar-se de incorporar, sem o mínimo questionamento, a divisão entre a totalidade e as partes do todo imposta pela cultura do calendário que, dando continuidade à alienação, sobrevive para criar compensações e maquiar a troca do real pela sua coisificação.

Tempo, linguagem, número são imposições com vida própria e tencionam nos dominar. Porém, prefiro acreditar que o Caos nunca morreu, nunca morrerá. Que cada coisa continuará “fora” do seu lugar,  atualizando e reatualizando o tempo e o espaço  ocupado no mundo. Prefiro acreditar na existência cotidiana como algo impassível de um aprisionamento total, algo eternamente imerso no pandemônio de improvisos e colisões com o futuro que nos constroem, e que nenhum sistema ou pedaço de papel enumerado poderá encalacrar.

Percurso

Posted: Dezembro 3, 2011 in Uncategorized

1)      Escuro flutuante,

                 2)      Inverno sem mapa,

                               3)      Desejo Fóssil de

                                                               enterrar a narrativa no

                                                                          labirinto arquitetônico

                                                                                   dos signos sem cor.

Calor infernal. Shopping lotado. Uma pequena multidão pratica o consumismo enquanto eu, a personagem, ando em círculos, nietzscheanamente angustiada. Não sei muito bem o que faço aqui, nesse exercício de ser outra, com medo de encontrar o meu duplo. Aliás, sei: fujo da obrigação de bater perna atrás de um emprego e das altas temperaturas que invadem a rua e o meu apartamento me fazendo lembrar o ventilador quebrado e a minha falta de dinheiro para consertá-lo.

Olho para baixo. Meu tênis gasto continua seguindo a trilha do eterno retorno, do caminho circular como os relógios. O instante é impreciso, mas deve estar localizado entre a vigésima quarta e a vigésima quinta vez que banca de revistas passa por mim.  Percebo algumas letras vermelhas, piscando. Minha mente se confunde. Fecho os olhos tentando fugir dos periódicos de fofoca, dos resumos da novela, das fórmulas mirabolantes de emagrecimento ou das modelos magérrimas cheirando a Photoshop. Uma parte de mim imediatamente ameaça embarcar num longo e doloroso processo de reflexão sobre a vida na contemporaneidade. “Não, não, isso vai levar muito tempo”, anuncio em silêncio, olhando meu rosto refletido no vidro da vitrine. Mas, e as letrinhas? Vermelhas, piscando… Ah, achei, lá estão elas, brilhando perto da foto da modelo com cara de feliz: 2010 é o ano do tigre, confira as previsões para o seu signo no horóscopo chinês, que promete emoção, força e ousadia.

Ano do tigre… fantástico!

No intertexto das alusões astrológicas, uma perspectiva se abre, luminosa. Uma espécie de rumo vago me direciona e o tempo se suspende. Eu poderia pensar na cultura e na história da astrologia chinesa ou no tigre, aquele bichinho parecido com um gato gigante que, segundo o senhor Houaiss é um: grande felino asiático (Panthera tigris), espécie ameaçada de extinção e encontrada em florestas tropicais, mangues ou savanas. Porém, quando me encontro naquelas letras piscantes penso somente em Borges, em quantos leitores ou leitoras daquela revista meio zen conhecem Jorge Luis Borges, em quantas pessoas, tão insanas quanto eu, lembram dele quando observam palavras como labirinto, espelho ou tigre flutuando em meio a tantas outras palavras existentes no mundo da linguagem.

Sim, Borges, o argentino que morreu cego e escreveu: “Durante a infância exerci com fervor a adoração do tigre; não o tigre esbranquiçado dos camalotes do Rio Paraná e da confusão amazônica, mas sim o tigre raiado asiático, real, a quem somente podem enfrentar os guerreiros, encastelados no dorso de um elefante. Costumava eu demorar-me interminavelmente diante de uma das jaulas do Zoológico; e eu gostava das volumosas enciclopédias e dos livros de história natural por causa do esplendor dos seus tigres.”

A certeza de que tudo foi escrito não me anula nem  me fantasmagorica.Tenho vontade de sair correndo, de encontrar a livraria do shopping, encontrar a biblioteca de Babel, encontrar o meu apartamento úmido e quente, encontrar, seja aonde for, as narrativas de Borges e decorar obsessivamente cada frase, cada verso, cada título onde palavra tigre estiver presente. As letrinhas vermelhas continuam piscando. Também tenho vontade de dar uma olhada naquela revista meio zen, só uma olhada.

Dúvida, dúvida…

Antes de embarcar no furacão da incerteza, entrar em crise existencial e acabar não lendo nem o horóscopo chinês, nem Borges, opto pela revista. Lei do menor esforço, admito.  Olho o índice e folheio curiosa até encontrar a página 45. Descubro que amanhã, dia 14 de fevereiro de 2010, começa o ano do Tigre. “Forte, veloz, impetuoso e exuberante, o tigre é um animal que impõe respeito por onde passa. Seu ano trás muitas mudanças e oportunidades em todas as áreas. Tradicionalmente, trata-se de um período marcado por grande inovação tecnológica, vitalidade e competitividade. Nele, vários projetos devem começar e terminar”. Ahhh taaa… o tempo passa, a lei do menor esforço continua não valendo a pena, e a astrologia continua dizendo uma porção de coisas imprecisas com precisão. Respiro fundo. Saio à procura de Borges.

Caminho apressadamente até a livraria com medo de cair na novamente na espiral e voltar a andar em círculos. Meu olfato me guia até a prateleira certeira. Encontro edições recentíssimas de O Aleph, Ficções, O Fazedor e O Livro de Areia. Pego todos eles, contemplo as capas demoradamente, abro um por um com o cuidado de quem manuseia alguma coisa sensível e rara. Nos primeiros cinco minutos já encontro um verso para decorar. Leio e releio umas 10 ou 15 vezes, mas, com medo de ser trapaceada pela minha memória falha, resolvo anotar na agenda, no dia 14 de fevereiro:

Mil novecentos e vinte e tantos

A roda dos astros não é infinita

E o tigre é uma das formas que retornam,

Mas nós, longe do acaso e da aventura,

Nos víamos desterrados para um tempo exausto,

O tempo no qual nada pode ocorrer.

Fecho a agenda e volto aos livros. Perco-me durante horas na Biblioteca interminável a qual os quatro volumes se abrem. Um odor ocre me remete ao centro das narrativas borgeanas, lugar de onde se eleva uma mensagenzinha meio niilista, mais ou menos fácil de captar: O mundo aparente, lógico e coeso, governado pela razão e pelos sistemas morais e intelectuais “imutáveis”, não é real. É uma invenção de alguns homens (filósofos, teólogos, artistas..) covardes o suficiente para negar o absurdo, o caótico, o imperfeito e o sem sentido do mundo “real”.

Minha bexiga grita. Descubro que mesmo contra a minha vontade ainda tenho um corpo, ainda sou alguém. Olho para os lados, as lojas estão fechando. São quase 22h.  Resolvo correr para o banheiro antes que seja tarde. Esfregando as mãos frenéticamente na tentativa de ativar o sensor da torneira, sou perseguida por labirintos espelhados nos quais não me encontro. Encaro a outra, a minha imagem, demoradamente. Tiro os óculos. O reflexo turvo denuncia a miopia avançada. Surpreendidos pela memória, meus lábios se mechem, quase involuntariamente. “Passou a infância, e caducaram os tigres e sua paixão, porém eles ainda estão nos meus olhos.” Por um instante a frase é minha, no instante seguinte, duvido. Afinal, será que ela foi escrita antes ou depois da cegueira completa?

 

Melanie Peter

De repente, na superfície das coisas…

Posted: Novembro 29, 2011 in Ensaios

fotos: Jorge Silva

No mais infantil dos impulsos, ignoro a pilha de livros comprados recentemente e a escassez do meu orçamento e entro na livraria. Ando de um lado para o outro sem saber com segurança o que estou fazendo ali. Alguns minutos se passam, imagino, e logo pesco um volume da prateleira. Abro na página sete e a mente acompanha o primeiro parágrafo. Uma cadeia de artifícios e expressões denuncia um mecanismo que necessita de alguém para fazê-lo funcionar. O registro da realidade é abandonado.  Leio, sem preocupação de recriar um mundo verossímil: “A professora Emanuela explicou à classe como é um urso, como os peixes respiram e que sons a hiena produz à noite. Ela também pendurou na sala gravuras de animais e aves. Quase todos os alunos debocharam dela, porque nunca na vida tinham visto um animal sequer. E muitos deles não acreditaram que existissem no mundo tais criaturas. Pelo menos nas redondezas”.

Algo de sinistro emana da experiência com a superfície das palavras. O suspense se instala rapidamente em algum lugar do córtex pré-frontal. As mãos, como se tomadas de vontade própria, comemoram uma independência louca fechando o livro e interrompendo bruscamente minha leitura.  O pensamento detém-se num intervalo. O branco da capa parece fugidio. Detenho-me nos arabescos coloridos e na árvore desenhada no centro. Algo estranho me habita.   Um pouco indecisa, percorro o espaço do título De Repente, nas Profundezas do Bosque. A capacidade ocular reconhece as palavras, mas um movimento estranho me desampara como sujeito que vê.

Tento me refugiar no nome do autor: Amós Oz. Como nada acontece reabro o volume, agora na página 22: “A aldeia era cinzenta e triste. À volta dela apenas montes e bosques, nuvens e vento. Não havia outras aldeias nas redondezas. Quase nunca chegavam forasteiros, nem sequer visitantes ocasionais”. Deslizo incontente até a página 23. Quero entender aquele espaço imaginário onde, durante a noite, todos se trancam em suas casas com medo do escuro e das coisas que o acompanham. “Escuridão e silêncio arrastavam-se do fundo dos bosques e pairavam, oprimindo as casas fechadas e os jardins abandonados. Blocos de sombra estremeciam nos caminhos[…]Tudo isso porque a noite um grande medo tomava conta da aldeia. Noite após noite, todo o espaço exterior pertencia a Nehi, o demônio da montanha”.

Devo buscar as instruções morais que normalmente sustentam histórias  fabulares como essa? As regras básicas que remontam a Esopo serão realmente seguidas pelo autor?

Submersa na idéia criada pelas artimanhas do livro, percorro a aldeia tediosa e triste onde a referência aos não humanos é apenas imaginária. Tenho medo de embarcar em uma aventura maniqueísta, dividida entre branco ou preto, apenas. Mas como fugir se também sou fruto de um ambiente onde se consome massivamente a cultura de “bandidos” e “mocinhos”, saídos dos filmes de faroeste?  Esforço-me e penso no que se descortina para além da dicotomia e do conflito entre bem e mal. Parece que há uma luta, mas o vilão e o herói não se revelaram claramente na narrativa.  Afinal, quem é Nehi num mundo onde nada garante uma bondade ou uma maldade em si? Quando nada é anterior aos misteriosos conflitos de interesses?

No universo criado por Oz, ao contrário do que normalmente acontece nas fábulas, os animais não falam. Não falam simplesmente porque decidiram sair de cena.  Essa ausência põe em jogo minhas opiniões sobre coisas estranhas como a sociedade e as leis da história, causa desconforto e me preenche de questionamentos sobre minhas relações com os animais: os que são comidos, os explorados, os que sofrem nas ruas…

O que Esopo pensaria disso?

Decido continuar pescando partes aleatórias do texto. O método anárquico de leitura demanda uma participação exaustiva. Não sou um leitor modelo, claro. Deixo-me livre para esquecer as regras e usar o texto como um recipiente para as inquietações que são despertadas no ritual do deciframento.  Assim, nada se perfura demais.  Abro um campo de (in) sensatez nesse turbilhão condicional de fluxo contínuo.  Ambiciono devolver à escrita o seu devir…

Nos interstícios abertos, as palavras fazem incessantemente sentido, mas é sempre para evaporar. Preenchida de dores e sentimento de culpa investigo se não seria mais seguro virar as costas e fugir  desse mundo onde às crianças é ensinado que todos os animais foram para o bosque, local proibido, habitat do misterioso demônio. Antes do desânimo total percebo, na página 39, que um menino e uma menina desafiaram a proibição: “De todas as crianças da aldeia, apenas duas, Maia e Mati, sentiam uma baita atração dos bosques sombrios. […],ficaram fascinados e a imaginação os seduziu a tentar descobrir o que estava escondido nas profundezas do bosque”

Sem saber explicar porque, lembro de George Orwell.  Sinto como se tivesse em mãos uma “Revolução dos Bichos” às avessas onde dois pequenos humanos, revoltados contra o status quo, inconformados com a mal contada história sobre os animais e sobre o bosque, desafiam as proibições e entram na floresta. Somente quem deixa o pré-estabelecido e encara o medo está apto a conhecer o novo, penso.

No interior do isolamento redescubro formas de pensar as coisas. A atendente da livraria esbarra em mim. Ou talvez fui eu quem esbarrou nela. Digo apenas “não obrigada”, mesmo sem entender a pergunta, mesmo sem saber se realmente houve uma pergunta ou apenas um resvalo corporal. Volto a prestar atenção no livro. O desconforto aumenta. A estranha conexão travada se adensa. Invento hipóteses sobre a “intenção do texto”. Testo-as.

Penso na convivência com o outro, na  integração do homem com a natureza, na  discriminação e intolerância…  O referencial central da história são as relações?  As relações entre adultos e crianças, entre humanos e animais, entre humanos de um modo geral; relações assimétricas, relações de diferença, de indiferença, de incompreensões e desprezo?  A difícil convivência com o outro, as relações com a alteridade são o foco das metáforas desenvolvidas por Oz?

Mas, e como resistir a tudo isso, indago folheando e sorvendo a textura porosa das páginas.

E assim, disse Maia depois de refletir sobre esse pensamento, e assim no fundo é possível dizer que todos nós sem exceção estamos no mesmo barco: não apenas todas as crianças, não apenas toda a aldeia, não apenas todas as pessoas, mas todos os seres vivos. Todos nós. E ainda não sei bem dizer se as plantas são um pouco nossos parentes distantes. Logo, disse Mati, quem debocha dos outros passageiros na realidade é um bobo que está no mesmo barco. E não existe aqui nenhum outro barco.

Quero chamar a vendedora e pedir desculpas pela minha grosseria, mas quando percebo já estou divagando sobre como conseguem esses homens viver ouvindo apenas os sons de suas próprias vozes, de seus próprios passos. Onde fica o canto dos pássaros, o zumbido dos insetos, o companheirismo dos cachorros e gatos?

Ao invés de se preencherem, os espaços em branco multiplicam-se. Me inquieto diante do mundo. Procuro, no emaranhado de caminho previamente traçados que é a existência, um desvio de perspectiva. Na mais profunda solidão de quem aceita o dilema, entro nas profundezas do bosque e questiono o valor da resistência à opressão e do pensamento independente. Tudo aparece matizado pela discriminação que emana de um mundo intolerante.  Avanço até a página 54. O texto parece repleto de inconformismo e engajamento. Quero ir além, apreender o que o texto não diz. “Será que o deboche é uma forma de defesa para quem lança mão dele, pois protege do perigo da solidão? Pois quem zomba não zomba em grupo, e aquele que desperta a zombaria não fica sempre sozinho?

Olho para os lados, mas não vejo nada. Avanço mais algumas linhas, alguns parágrafos. As letras se confundem. Respiro fundo. Sinto como se tivesse voltado à superfície depois de um prolongado mergulho. Será que esse é realmente um livro para crianças?  E se criança for uma delimitação moral e não etária? Dou uma olhada na contracapa, só para garantir, “De Repente, nas Profundezas do Bosque é uma fábula estranha e encantadora sobre a importância da inadependência de espírito como antídoto à intolerância e ao obscurantismo. Uma fábula, para todas as idades”.

Fico olhando o nada calmamente. Caminho em direção à porta de saída tentanto lembrar de tudo o que eu acabei de ler. Só uma frase, pescada da página 102, martela incessantemente a minha memória: E não tenha medo, Mati, da escuridão que está se aproximando; hoje o escuro vai atrasar, para que possamos continuar conversando.

Melanie Peter